O primeiro carro da engenheira ambiental Maria Cristina Santana Pereira foi um Corsa Classic 1.6 automático. A aquisição veio em 2004, nove anos depois de um acidente automobilístico a deixar paraplégica. Por ser uma pessoa com deficiência (PCD), Cristina conseguiu fazer a compra com isenção de impostos. No entanto, o caminho foi longo.
Antes de iniciar a busca pelo carro, Cristina teve que tirar uma carteira de motorista especial. O primeiro passo é procurar um médico credenciado do Detran. Com base no Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), ele faz um laudo determinando o tipo de adaptação que deve constar na CNH do beneficiário. Para a engenheira ambiental, essa fase do processo foi uma das mais duras. “Você não consegue realizar tudo no Poupatempo [serviço de documentação rápida oferecido em SP], porque lá não tem médico credenciado do Detran para fazer o laudo.” Muitas vezes os consultórios são em locais de difícil acesso, um empecilho para pessoas com dificuldades de locomoção.
Após o recebimento do laudo, é preciso partir para as aulas na autoescola. Segundo a consultora de vendas especiais da Honda, Rosangela Mesquita, mesmo as pessoas já habilitadas têm que fazer o curso e o teste prático. “Às vezes você dirige há anos, mas em um carro automático você não tem experiência nenhuma”, explica.
Tenho dor na coluna, posso pedir isenção? A resposta não é tão simples. Segundo Alberto Sabbag, médico e diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, se a pessoa for dirigir o veículo, ela deve possuir uma deformidade, deficiência física ou dificuldade de mobilidade permanente que cause a perda (moderada ou grave) de força dos membros.
Uma mulher que retirou a mama após um tumor pode pleitear a isenção, desde que a cirurgia tenha influenciado em sua mobilidade. “Quando você retira o câncer, há alguns procedimentos, como remover os gânglios debaixo da axila, isso ocasiona uma perda de força no braço”, explica o médico.
A legislação também prevê a isenção para pessoas que não dirigem. O veículo é comprado em nome do beneficiário, que pode indicar até três condutores legais. Autistas e pessoas com deficiência visual se encaixam nessa situação. A mesma regra vale para pessoas com deficiência física grave que dependem de terceiros para se locomover, como tetraplégicos. Já no caso de deficiência mental profunda ou severa, a isenção na modalidade não condutora exige que a doença tenha se manifestado antes dos 18 anos.
Com a CNH em mãos, já é possível pedir as isenções. Na ocasião em que Cristina comprou seu primeiro carro, a concessionária indicou um despachante para fazer o processo. Na compra seguinte, a própria loja ofereceu o serviço gratuitamente. A prática tem se tornado comum, devido ao aumento das vendas PCD.
O carro escolhido também deve atender a algumas regras. De acordo com Rodrigo Rosso, presidente da Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistiva (Abridef), o veículo deve custar até R$ 70 mil e ser fabricado no Brasil ou nos países do Mercosul.
A primeira isenção é do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que demora em média cinco meses para ficar pronta. Depois, é a hora de dar entrada na isenção do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS), que leva em média 45 dias. Rosso ressalta que carros importados não têm a isenção, com exceção dos modelos da Volvo, que conseguiu uma autorização especial com o governo.
Liberando o ICMS, já é possível fazer o pedido do veículo para a montadora. A consultora da Honda menciona que o cliente demora de 30 a 60 dias para levar o automóvel para casa. Para quem irá financiá-lo, há a isenção do Imposto sobre Operações de Crédito (IOF), que só pode ser utilizada uma vez. “Demora muito para sair e o valor é tão baixo que, às vezes, não compensa”, afirma a consultora.
Depois que o carro está faturado, é hora de fazer a isenção do IPVA e a liberação do rodízio, caso more em São Paulo. Com relação ao ICMS e IPI, o tempo mínimo para ficar com o carro são dois anos. Se a pessoa com deficiência vender antes, ela precisará recolher os impostos dos quais foi isenta.
O presidente da Abridef ressalta que, entre 2015 e 2016, o setor PCD cresceu 31,5%. Em 2016, foram vendidos mais de 139 mil carros isentos de valores até R$ 70 mil. Em 2017, a previsão é que as vendas aumentem mais de 30%. Está bom, mas precisa melhorar. A legislação atende a grande parte do público PCD, mas ainda possui algumas brechas. A única deficiência que não tem isenção nenhuma é a surdez. “É uma falha na lei gritante”, avalia Rodrigo.
O médico da Abramet explica que a isenção existe pois a pessoa com deficiência é obrigada a dirigir um veículo específico. Como no caso dos surdos não há nenhuma adaptação possível, não há liberação das alíquotas. Mas o especialista ressalta que seria necessário desenvolver políticas para esse público. “Como eles têm muitas dificuldades, deveriam ter algum tipo de facilidade”.
Outro ponto polêmico é o valor limite para compra com isenção. O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) estipula um teto de R$ 70 mil, no entanto essa quantia está fixada desde 2009. “Se corrigir este valor para R$ 90 mil, você conseguiria jogar nessa faixa de preço outros modelos que estão fora”, diz Rodrigo.
ICMS: Para pessoas com deficiência física, visual, mental (severa ou profunda) ou autistas. Válida para condutores e não condutores de veículos até R$ 70 mil fabricados no Brasil ou nos países do Mercosul.
IPI: Para pessoas com deficiência física, visual, mental (severa ou profunda) ou autistas. Válida apenas para automóveis de passageiros fabricados no Brasil e no Mercosul até 2.0 flex e no mínimo quatro portas (inclusive a de acesso ao bagageiro). Abrange condutores e não condutores.
IOF: Para automóvel de passageiros fabricados no Brasil de até 128 cv. Apenas disponível para pessoas com deficiência física.
IPVA: Isenção prevista para pessoas com deficiência física, visual, mental (severa ou profunda) e autistas .